Hoje passei por todas as ruas que antes dominava. Algo dentro de mim não conseguia sossegar até ter a certeza de que elas já não me pertenciam mais.
Todas mudaram desde o verão passado. Elas já não se iluminam para poder passar em segurança, hoje elas ensinaram-me a não temer a escuridão. Afinal, voltei a ser só mais alguém que passa por elas, com o passo apressado e sem tempo para poder olhar para aqueles pormenores que só quem respira arte consegue ver. As minhas lojas favoritas fecharam. Deram lugar às recordações que naquelas paredes, agora revestidas de passado, podem ser admiradas pelos vidros das vitrinas que só quem as conhecia outrora sabe dar o devido valor que elas realmente têm. Já não encontrei olhares curiosos a espreitar por um cantinho da janela, só para ver se reconheciam aquela menina que cantava e encantava em cada porta por onde passava.
Também não tive a coragem de outros tempos para cantar, talvez porque já não encanto ou talvez porque já não sou uma menina.
Hoje sou mulher e talvez seja simplesmente a sombra do que já tive coragem de ser. Talvez seja a sombra de mais uma vida que se perdeu por aquelas ruas e que agora se perde em si própria como uma criança assustada pela trovoada, que teima em iluminar a calma escuridão da noite.
Talvez eu seja tudo isso, ou talvez não seja nada. Ou talvez só precise de novas ruas por onde me possa perder até poder chamar elas de "minhas"...