quinta-feira, 26 de março de 2015

Comédia&Tragédia

Transformámos o mundo numa autêntica peça de teatro! Não estamos permitidos a fazer ensaios, todas as cenas são improvisadas e quem tem a melhor máscara é quem normalmente ouve mais palmas no final.
Tornámonos obcecados por holofotes que nada mais fazem do que proporcionar uma falsa segurança de que somos o centro das atenções. Toda a gente anseia pelo seu momento de fama, mesmo inconscientemente. Queremos nos sentir seguros, amados e odiados, mas nenhum de nós quer ser indiferente ou passar despercebido quando as luzes apontarem para nós.
Ficamos doentes por um pouco de inspiração. Por algo que nos faça sentir verdadeiros artistas, algo que nos cative a mente à primeira vista. Se nós nos interpretamos como pequenos (grandes) Deuses, então a arte será o nosso pecado.
Vivemos no mundo faz-de-conta e aparentemente não estamos muito preocupados com isso. Fingimos não ver a tragédia, mas ficamos de olhos vidrados na comédia.

E no final, todos nós queremos uma ovação por termos resistido com os pés firmes no palco durante toda a peça.

domingo, 22 de março de 2015

Angélica ♡

- Não me vou permitir chorar, eu sou forte! - Mentalizou-se Angélica, antes de se aperceber que as lágrimas já lhe escorriam pelo rosto. - Tola! - Repreendeu-se em voz alta enquanto se ria de si mesma, olhando o espelho que a enfrentava naquele minúsculo espaço que era o seu quarto. - Tola, tola, tola! - Tentou encontrar algum sítio onde não pudesse ver o seu reflexo. Aquele espelho a fazia sentir bela e vaidosa toda a vez que se arranjava para sair, mas era o primeiro a julgá-la nos seus momentos de fraqueza.

Percebeu então o quão forte podia ser aquele sentimento que, mesmo depois de tudo estar terminado, ainda não tinha a certeza se lhe podia chamar de amor. Sempre ouvira dizer que ficar apaixonada era algo realmente bom. Era um verdadeiro motivo para acordar todos os dias de manhã,  disposta a enfrentar o mundo. Se aquilo fosse realmente amor, não devia magoá-la e muito menos fazê-la sentir como se este, tivesse mais poder sobre o seu corpo do que ela própria.

Normalmente o ser humano é capaz de associar tudo a esse mesmo sentimento: se vemos uma cena romântica num filme - daquelas de cortar a respiração -, imaginamos automaticamente como seria, se fossemos nós e a pessoa por quem estamos apaixonados os protagonistas. Se estamos numa esplanada de algum café e de repente avistamos numa mesa ao lado, um casal feliz por ver o seu filho a dizer as primeiras palavras, suspiramos ao imaginar como era mágico ver a nossa paixão babada com um fruto desenvolvido do nosso amor. Se ouvimos uma música lamechas no rádio enquanto estamos parados no trânsito, desejamos automaticamente ouví-la enquanto estamos nos braços daquela pessoa, seguras de que não existe nada mais importante no mundo do que aquele momento. É algo que vem do instinto do ser humano e por mais que Angélica desejasse ser diferente, ela sabia que era difícil contrariar as leis da vida.

Quando tudo acaba, temos de tentar ao máximo separar o sentimento que colocamos nessas simples coisas, que sempre aparecem de surpresa na nossa rotina diária. Se assim não o fizermos, estamos sujeitos a ser assombrados pelos fantasmas de todas as ambições, desejos e alegrias que tinhamos direito a desfrutar outrora.

Angélica pensava que era forte o suficiente para superar tudo isso, mas assim que aquela música ecoou entre as paredes do seu quarto, percebeu que ela já estava enraizada em demasia a um só rosto e a um só nome: Afonso. Bastava ouvir esse mesmo nome em qualquer lugar para que ela fizesse todos os esforços para encontrar o mais pequeno sinal da sua presença, mesmo sabendo que estava a ser patética. Já passaram dois meses desde que ele se mudou para Londres e ela ainda não encontrou maneira de explicar gentilmente ao seu coração que ele se foi embora para sempre.

Tudo na sua rotina pedia um pouco dele, mesmo que ela nem sempre se apercebesse. Desde apanhar o cabelo numa trança, a tentar ter mais calma com as suas colegas de quarto, como ele recomendara. Ela sabia que se Afonso ainda estivesse com ela, ele iria se sentir feliz por saber que ela ainda segue os seus conselhos. 

Era escusado, ou pelo menos era essa a forma como ela encarava aquela situação. Talvez ela estivesse destinada a ter um só rosto em sua mente, um só nome nos seus lábios e um só sentimento no seu coração.

Voltou a enfrentar o espelho. Reparou que estava a usar aquela camisola que ele lhe tinha dado no primeiro dia de S. Valentim que passaram juntos. Não combinava de todo com o estilo dela. Estavam juntos há muito pouco tempo quando Afonso a comprou e ele ainda não a tinha descoberto o suficiente para conhecer os seus gostos. Aliás, Afonso não tinha senso nenhum de moda ou estilo e Angélica estava segura que esse tinha sido um dos motivos que a fez apaixonar por ele. Mesmo com o seu estilo tão simples e despreocupado, ele conseguia ser o rapaz mais estiloso que alguma vez passou por aquela faculdade.

Últimamente, aquela era a sua camisola favorita. Usava-a vezes sem conta e sem se quer se aperceber o porquê de o fazer. Tanto aquela camisola, como tudo aquilo que o recordava, eram vestígios que ele existiu na sua vida e de que eles existiram. Concluiu  então que por mais que ele já não estivesse em Portugal, ela nunca estaria preparada para o deixar ir embora de vez. Ela sabia que era o verdadeiro lar de Afonso, mas não a sua casa.

- E se te deixar ficar? - Perguntou ao seu próprio reflexo, olhando nos seus próprios olhos. - Até quando vou conseguir manter a minha sanidade mental?