segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Re-cor(d)ações

Um ano depois e acordei com o tom de voz que usaste comigo naquela noite. Engraçado como intuitivamente tapei os ouvidos em tom de defesa, mas foi em vão. Todas as tuas vozes vivem dentro de mim. Hoje sussuram-me de longe mas tenho que admitir que ainda sinto medo de um dia elas estarem mesmo atrás de mim, a gritarem-me com tanta fúria como outrora, fazendo com que me sinta pequena.

Lembro-me que naquele dia gritaste as mesmas palavras de sempre mas num tom de voz mais violento. Parecias mais nervoso que o habitual pelos teus gestos. Admito que pensei que seria naquele dia que finalmente irias tocar em mim. Não estava assustada por isso aliás, nem sabes quantas vezes eu pedi para que o fizesses em vez de gritares comigo. Seria mais silencioso e a minha mente precisava de paz. (Estava habituada a castigar o meu corpo. Seria mais fácil para mim...)

Eu estava mais calada que o habitual, surpreendentemente ainda não me tinha desfeito em lágrimas. A verdade é que pela primeira vez em muito tempo, eu consegui ver entre a fúria aquele rapaz que eu conhecia desde sempre. Aquele por quem me tinha apaixonado na inocência dos meus 15 anos. Aquele com quem saía nas férias de verão e que se ria comigo de tudo e mais alguma coisa. Aquele com quem podia conversar um dia inteiro sem me fartar. (Lembras-te?)

Por instinto, tentei abraçar-te. Eu juro,  por momentos pensei que por sintonia te irias recordar também desses tempos. Não precisavas de gostar mais de mim, só queria que naquele momento te acalmasses.

Engraçado como cada vez que relembro tudo isto ainda consigo sentir as tuas mãos nos meu peito a empurrarem-me e engraçado como me lembro como eu cai em lágrimas, igual a uma criança quando lhe roubam o doce das suas mãos. Lembro-me que senti como se não houvesse mais vida para mim depois disso. Senti que tinha esgotado até as forças para me manter em pé. Senti que de certa forma, estávamos os dois esgotados.

Nunca fui suficiente para quebrar esse teu coração de pedra mas espero que não tenha sido eu que o tenha construído. Nunca consegui encontrar uma explicação aceitável para teres mudado a tua postura sobre mim tão repentinamente. Fizeste-me sentir especial para de repente fazeres sentir repulsa de mim mesma. (Quem sabe, eu tinha que passar por tudo isto para me tornar a mulher que sou hoje.)

Por mais que o negue, eu conheço-te e talvez como ninguém. Sei os teus pontos fortes e fracos. Os teus defeitos e feitios assim como tu sabes os meus. Aliás, não há ninguém que conheça mais sobre mim do que tu. Eu era tão inocente, dei o meu melhor e pior por ti e foi graças a isso que aprendi a ser mais reservada nesse aspecto.

Eu odeio quando me perguntam sobre ti ou quando falam sobre a tua vida e eu sou obrigada a ouvir, até odeio ouvir o teu nome mas eu não te odeio. Não consigo mais odiar-te. Além de tudo eras o meu melhor amigo, aquele com quem podia contar para o bem e para o mal. Sempre convivemos juntos desde os meus primeiros dias de primária e ainda me lembro perfeitamente como tu e os teus amiguinhos chateavam a minha cabeça aos intervalos.

Espero que tenhas encontrado paz depois de toda a guerra. Eu ainda tenho algumas cicatrizes - e pelos vistos,  algumas são bem visíveis - mas o tempo cura tudo. (certo?)

Fica bem.

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